Mais de um século de experimentos e investigações na busca da compreensão dos mecanismos explicativos, natureza e variaveis implicadas nas consequencias negativas para a aprendizagem. Pesquisas básicas e/ou aplicadas e especializadas atentam para aspectos moleculares, celulares, estruturais, funcionais, desenvolvimento, evolutivos do sistema nervoso, ainda sendo ampliado para incluir a cibernética como estudo da comunicação e controle entre o ser humano e a máquina com resultados fecundos para a área do conhecimento. Avanços teóricos advindos da prática e das pesquisas têm tentado elucidar os problemas atencionais, prejuízos de memória, alterações de funções executivas, visioespacialidade, percepção, aspectos comportamentais, aspectos ambientais, sociais, culturais, avaliam as repercussões para a saúde biopsicossocial e focalizam a funcionalidade dos individuos, independentemente de fases do desenvolvimento, com o norte indiscutível de que a atuação/intervenção deva ser interdisciplinar, já que o processo de aprendizagem está presente em uma diversidade de áreas, para citar algumas, desde as clínicas, ocupacionais, escolares.
Imprescindivel apontar que o evento neurofisiológico e neurobiológico do sono também tem sido alvo, há mais de séculos, de estudos de natureza neurocognitiva e neurocomportamental, com contribuições ímpares para o campo profícuo da aprendizagem. São milhares de evidências de que a privação de sono impacta contiguamente nos processos cognitivos repercutindo para o comportamento humano. Entretanto, em especial em nosso país, essa discussão ainda tem se restringido à areas do saber específicas, carecendo de um olhar interdisciplinar.
Esse tema especial da Revista do Congresso Brain and Connection tenta preencher essa lacuna. O sono é uma necessidade básica! Evidências crescentes sugerem que isso é particularmente verdadeiro para a cognição, o aprendizado, o comportamento e a emoção. Embora a perda de sono acabe sendo um processo normativo de desenvolvimento psicossocial e biologicamente orientado a medida que os anos avançam, ocorre ao lado do aprofundamento da sofisticação cognitiva, melhor regulação da emoção e intensificação da cognição social. Tem importância antes, durante e depois da aprendizagem. Exerce um efeito promotor nos processos de plasticidade do cérebro, sendo reconhecido, como afirma Tononi et al (2014), como “o preço que pagamos pela plasticidade do nosso cérebro e capacidade de aprender”. Há inúmeras evidências de que mudanças no desenvolvimento neurológico na estrutura, função e fisiologia do sono cerebrais vinculam mecanicamente a relação entre o sono e a capacidade cognitiva.
Nessa direção, o papel da Psicologia do Sono, ainda timidamente conhecida e reconhecida em todo território brasileiro, é fundamental para a compreensão dos fatores comportamentais, psicológicos (cognitivos e emocionais) e fisiológicos implicados no padrão do sono e vigília ao longo da vida e em todas as populações, além de desenvolver, testar e aplicar abordagens psicológicas baseadas em evidências para a prevenção e tratamento de distúrbios do sono e condições relacionadas, considerando os fatores que precipitam e perpetuam alterações, elaborar prognósticos dos comportamentos e cognições que são prejudiciais para a saúde e intervir na promoção de comportamentos saudáveis e na prevenção do aparecimento de distúrbios do sono. Formalmente reconhecida pela American Psychological Association (APA) enquanto área desde 2013, a Psicologia do sono evoluiu de uma fusão única da ciência e prática psicológica, principalmente da Psicologia da Saúde, com a ciência e a prática do sono. A Psicologia do sono fornece serviços exclusivos relacionados ao sono para pacientes médicos e de saúde mental de diversas origens e em diferentes idades. Os psicólogos do sono atuam em centros e serviços de distúrbios do sono e em outros locais de atendimento médico, educacional, residencial, industrial/organizacional, hospitalar e da saúde, jurídica, neuropsicológica e de prática clínica privada/pública, considerando os três niveis de atenção em saúde (atenção primária, secundária e terciária).
No Brasil, o reconhecimento formal da área da Psicologia do Sono se iniciou em 2014, pela Associação Brasileira do Sono, com a criação da Comissão de Psicologia e com a primeira certificação em Psicologia do Sono chancelada pela Associação Brasileira do Sono e Sociedade Brasileira de Psicologia. Na América Latina, somos os únicos com essa validação. De lá para cá, já foram certificados mais de 28 psicólogos do sono com a tarefa desafiadora de multiplicar conhecimentos nas diversas áreas do saber da Psicologia, sensibilizando para o ensino-formação, pesquisa, assistência e esforços para difundir a importância do sono saudavel para a qualidade de vida.
Estamos em festa! Considerando que a ciência é cultura humana, que é subsidiada pelas perguntas inquietantes do saber, da curiosidade e da resolução dos problemas, que nos impulsiona para aprender, descobrir onde estão os limites do conhecimento e, constatar que é um processo dinâmico e que não há verdades absolutas, lançamos esse número especial, divulgando saberes da Neurociência e Comportamento do Sono, dando visibilidade a Psicologia do Sono, com artigos inéditos e originais, com sabor de estímulo para “novos interessados” observarem a amplitude e magnitude desse conhecimento, e atrair os “velhos admiradores e nunca desinteressados” a se manterem firmes em seu propósito de alargamento desse saber. Assim é a ciência: movida pela construção e edificação do saber, desafiada pelas intrigantes perguntas sem respostas, e comprometida com os limites do conhecimento, tentando tornar comunicável e acessível suas descobertas para o mundo. Sorte nossa que a ciência nunca cochila, não dorme e também não tem prejuízos cognitivos e comportamentais!
Katie Almondes