ATUAÇÃO INTERDISCIPLINAR DA PSICOLOGIA DO SONO E PSIQUIATRIA NO AMBULATÓRIO DO SONO NA SAÚDE PÚBLICA E PERFIL CLÍNICO DOS PACIENTES
INTERDISCIPLINARY PERFORMANCE OF SLEEP AND PSYCHIATRY PSYCHOLOGY IN SLEEPING AMBULATORY IN PUBLIC HEALTH AND CLINICAL PROFILE OS PATIENTS
DESEMPEÑO INTERDISCIPLINARIO DE LA PSICOLOGÍA Y PSIQUIATRÍA DEL DORMIR EM ELA AMBULATORIO DEL DORMIR EM SALUD PÚBLICA Y PERFIL CLÍNICO DE PACIENTES
Gabriela Simabucuru
Ralina Carla Lopes Martins da Silva
Amannda Melo de Oliveira Lima
Katie Moraes de Almondes
ATUAÇÃO INTERDISCIPLINAR DA PSICOLOGIA DO SONO E PSIQUIATRIA NO AMBULATÓRIO DO SONO NA SAÚDE PÚBLICA E PERFIL CLÍNICO DOS PACIENTES
Resumo
Os distúrbios do sono são considerados problemas de saúde pública. Uma avaliação eficaz para manejo terapêutico adequado das queixas de sono é fortemente influenciada pelo fazer interdisciplinar. A interseção entre a Psicologia do Sono e a Psiquiatria, com enfoque nos fatores cognitivos, comportamentais e fisiológicos do padrão do sono e seus distúrbios, auxilia diagnósticos diferenciais e tratamento eficiente de distúrbios do sono, promovendo comportamentos saudáveis e prevenindo o aparecimento de distúrbios do sono. A capacitação destes profissionais na área do sono ainda é iniciativa incipiente no país na saúde pública. Nesta direção, o objetivo deste artigo é descrever a atuação interdisciplinar do Ambulatório do Sono (AMBSONO) alocado no Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, parte integrante do Sistema Único de Saúde – SUS –, que integra as áreas de Psicologia do Sono e Psiquiatria, descrevendo o serviço, protocolos, intervenção e o perfil dos pacientes nos primeiros meses de 2019, quando inciou a inserção da Psiquiatria como uma das áreas integradas no AMBSONO.
Palavras-chave: Psicologia do Sono; cognição; comportamento; interdisciplinar; transtornos do sono.
INTERDISCIPLINARY PERFORMANCE OF SLEEP AND PSYCHIATRY PSYCHOLOGY IN SLEEPING AMBULATORY IN PUBLIC HEALTH AND CLINICAL PROFILE OS PATIENTS
Abstract
Sleep disorders are considered public health problems. An effective assessment for adequate therapeutic management of sleep complaints is strongly influenced by interdisciplinary practice. The intersection between Sleep Psychology and Psychiatry, focusing on cognitive, behavioral, and physiological factors of sleep patterns and their disorders, helps differential diagnoses and efficient treatment of sleep disorders, promoting healthy behaviors and preventing the appearance of sleep disorders. The training of these professionals in the sleep area is still an incipient initiative in the country in public health. In this direction, the aim of this article is to describe the interdisciplinary work of the Sleep Clinic (Ambulatório do Sono -AMBSONO) located at the Onofre Lopes University Hospital of the Federal University of Rio Grande do Norte, part of the Unified Health System – SUS, which integrates the areas of Sleep Psychology and Psychiatry, describing the service, protocols, intervention, and the profile of patients in the first months of 2019, when the insertion of Psychiatry started as one of the areas integrated in AMBSONO.
Keywords: Sleep Psychology; cognition; behavior; interdisciplinary; sleep disorders.
DESEMPEÑO INTERDISCIPLINARIO DE LA PSICOLOGÍA Y PSIQUIATRÍA DEL DORMIR EM ELA AMBULATORIO DEL DORMIR EM SALUD PÚBLICA Y PERFIL CLÍNICO DE PACIENTES
Resumen
Los trastornos del sueño se consideran problemas de salud pública. Una evaluación eficaz para el manejo terapéutico adecuado de las quejas del sueño está fuertemente influenciada por la práctica interdisciplinaria. La intersección entre la Psicología del Sueño y la Psiquiatría, centrada en los factores cognitivos, conductuales y fisiológicos de los patrones de sueño y sus trastornos, ayuda al diagnóstico diferencial y al tratamiento eficiente de los trastornos del sueño, promoviendo comportamientos saludables y previniendo la aparición de trastornos del sueño. La formación de estos profesionales en el área del sueño es aún una iniciativa incipiente en el país, en salud pública. En esta dirección, el objetivo de este artículo es describir el trabajo interdisciplinario del Ambulatório do Sono (AMBSONO) ubicado en el Hospital Universitario Onofre Lopes de la Universidad Federal de Rio Grande do Norte, parte del Sistema Único de Salud – SUS, que integra las áreas de Psicología do Sono e Psiquiatria, describiendo el servicio, los protocolos, la intervención y el perfil de los pacientes en los primeros meses de 2019, cuando se inició la inserción de Psiquiatría como una de las áreas integradas en AMBSONO.
Palabras clave: Psicología del sueño; cognición; conducta; interdisciplinario; trastornos del sueño.
INTRODUÇÃO
O sono é um aspecto fundamental da vida do ser humano, com funções básicas para a sobrevivência, como a restauração fisiológica, a conservação de energia e a proteção, assim como para o bem-estar psicossocial do indivíduo, envolvendo, por exemplo, a realização de atividades diárias e o funcionamento cognitivo. Diversos aspectos podem interferir na dinâmica do sono, desde patologias como Transtorno de Insônia, Narcolepsia e hipertireoidismo a maus hábitos comportamentais, como alto consumo de cafeína e estímulo luminoso excessivo durante a noite. Indivíduos que sofrem com algum transtorno do sono podem apresentar consequências, a exemplo da fatigabilidade, dos prejuízos na memória e atenção, alterações de humor e cefaléia, o que acarretará prejuízo em sua funcionalidade nos diversos âmbitos de seu cotidiano.
Desta forma, a abordagem para com o sono deve sempre considerar o conceito de saúde biopsicossocial, a qual leva em consideração, além da instância física do indivíduo, a psicológica e, também, a social. Como bem explica Straub (2014): “[…] essa perspectiva reconhece que forças biológicas, psicológicas e socioculturais agem em conjunto para determinar a saúde e a vulnerabilidade do indivíduo à doença; ou seja, a saúde e a doença devem ser explicadas em relação a contextos múltiplos.” (p.13), dessa forma, considerando a saúde como um estado completo de bem-estar físico, mental e social, e não somente ausência de afecções e enfermidade.
Corroborando com esta visão, um exemplo da determinação biopsicossocial no sono seria o modelo de Spielman 3P (2006) para insônia, o qual é composto de três fatores: predisponentes, precipitadores e perpetuadores. Os fatores predisponentes são os que predispõem o indivíduo a desenvolver a insônia, seja por fatores biológicos (perfil genético), seja por fatores psicológicos (associação com transtornos mentais), seja por fatores sociais (situações estressoras). Já os precipitadores são os que vão atuar no disparo do desenvolvimento do transtorno do sono, ou seja, é o gatilho que definirá o desdobramento da perturbação do sono que, geralmente, acarreta impacto na saúde psicológica e/ou física do indivíduo. Os fatores perpetuadores são os que atuam na manutenção daquele distúrbio como, por exemplo, ou hábitos de sono desadaptativos ou turnos de trabalho noturnos, cronificando os problemas do sono.
Portanto, entendendo que a ciência do sono reúne conhecimentos das áreas da Neurologia, da Cronobiologia, da Medicina e da Psicologia, a melhor avaliação e condução das queixas de sono é de forma interdisciplinar, tornando-se preponderante não só uma intervenção correta e eficaz, como também a adoção de práticas que visem à promoção de saúde, unindo, principalmente, as subáreas da Psicologia e da Psiquiatria.
A Psicologia do Sono se constitui enquanto campo de estudo e de intervenção da Psicologia da Saúde com o objetivo de desenvolver modelos explicativos e de intervenção sobre os aspectos cognitivos e comportamentais do sono, tendo em vista a promoção de saúde e a prevenção de doenças, a partir da perspectiva interdisciplinar. Este campo da Psicologia tem sido cada vez mais requisitado, dentro deste novo modelo, para responder questões fundamentais como a forma em que o comportamento e o estilo de vida dos indivíduos pode ter um impacto significativo sobre o desenvolvimento ou a exacerbação de transtornos do sono, além da avaliação, a partir de instrumentos psicométricos desenvolvidos com base no conhecimento humano da Psicologia, e na intervenção nesses hábitos, a partir de técnicas cognitivo comportamentais.
A Psiquiatria desempenha, da mesma maneira, um papel importante na avaliação e no tratamento dos transtornos do sono. Oferece conhecimentos médicos essenciais para o entendimento de distúrbios do sono, além de realizar diagnósticos diferenciais e manejar enfermidades comórbidas, as quais, com muita frequência, interferem diretamente na qualidade de sono dos indivíduos por elas acometidos.
Para mais, sabe-se que indivíduos com desordens psiquiátricas têm um maior risco de apresentar queixas de sono e suas consequências associadas, quando comparadas à população geral, (Benca et al., 1992; Fuller et al., 1997; Waller et al., 1989, como citado em Hombali, A., et al., 2019) e que a comorbidade entre insônia e transtornos psiquiátricos, por exemplo, chega a 41-53% (Dolsen, Asarnow, & Harvey, 2014). O contrário também é verdadeiro: 40% de indivíduos com insônia e 46,5% dos indivíduos com hipersônia preenchem o critério para algum transtorno mental (Lucchesi, Pradella-Hallinan, Lucchesi, & Moraes, 2005). Porém, apesar de o tratamento das patologias comórbidas ser importante, sabe-se que tentar definir se a insônia é primária ou secundária não é mais a questão fundamental (American Academy of Sleep Medicine, 2014).
Desta forma, entende-se que a atuação da Psiquiatria em perspectiva de transdiagnóstico é essencial, dada que a relação entre sono e transtornos mentais pode ser bidirecional em muitos dos casos, além de que o tratamento direcionado e uma maior atenção a qualidade do sono do paciente e aos fatores causais desses distúrbios podem aumentar significativamente a eficácia do tratamento e um melhor prognóstico da doença. Por isso, a avaliação clínica e multiprofissional do paciente é fator determinante de sucesso terapêutico a longo prazo.
Para tal, a realização de uma anamnese integrada, realizada de maneira interdisciplinar do sono, faz-se importante para a indicação terapêutica direcionada, devendo incluir alguns aspectos como: (1) relatório de problemas de início ou manutenção do sono, (2) avaliação acerca de adequada oportunidade e circunstâncias para dormir e (3) consequências diurnas da perturbação do sono (American Academy of Sleep Medicine, 2014). Além de investigação de sintomas associados, tais como: ruminações disfóricas, ansiosas, uso de substâncias psicoativas e patologias médicas associadas (Schatzberg, 2017). Estes são exemplos que compõem a detalhada avaliação interdisciplinar do sono, tal como será descrita adiante.
Baseados na Classificação Internacional de Distúrbios do Sono (ICSD-3), os transtornos do sono são subdivididos em sete categorias principais: (i) Insônia, (ii) distúrbios respiratórios relacionados ao sono, (iii) transtornos centrais da hipersonolência, (iv) transtorno do sono-vigília do ritmo circadiano, (v) parassonia, (vi) distúrbios do movimento relacionados ao sono e (vii) outros distúrbios do sono. Já a 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) traz ainda como diagnósticos: transtorno de insônia, transtorno de hipersônia, narcolepsia, transtornos respiratórios relacionados ao sono (apneia hipopneia obstrutiva do sono, apneia central do sono, hipoventilação relacionada ao sono), transtorno do ritmo circadiano, parassonias, transtornos do despertar do sono NREM (sonambulismos, terror noturno), transtorno de pesadelo, transtorno comportamental do sono REM, síndrome das pernas inquietas, transtorno do sono relacionados a uso de substância/medicamentos e outros transtornos do sono.
Apesar destes diversos diagnósticos, atualmente percebe-se que as queixas crônicas de sono compartilham inúmeras características e estão tipicamente associadas a fatores cognitivos e comportamentais que perpetuam essa condição. Por isso, as abordagens de tratamento são essencialmente as mesmas, independentemente da presença ou tipo de comorbidade, ou seja: técnicas cognitivas comportamentais e/ou tratamento farmacológico (American Academy of Sleep Medicine, 2014).
De acordo com as diretrizes da American Academy of Sleep Medicine e da European Sleep Research Society, a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) e a estratégia farmacológica são estratégias terapêuticas igualmente eficientes a curto prazo. Há evidências, no entanto, que no tratamento de distúrbios do sono como a insônia a TCC mostrou-se mais efetiva a longo prazo comparada ao uso somente de medicações, o que a coloca como terapia de primeira linha (Bragg, 2019). Apesar de os estudos focarem na aplicabilidade da TCC como intervenção para insônia, os princípios e técnicas desta abordagem psicológica têm logrado êxito no tratamento de outros distúrbios do sono, como a narcolepsia (Marin-Agudelo, 2011; Conroy et al., 2012; Maria-agudelo & Jimenez, 2012).
Já o tratamento farmacológico dos distúrbios do sono é definido pelo tipo de sintoma apresentado e sua neurobiologia, as propriedades farmacológicas do medicamento escolhido, seus efeitos colaterais, disponibilidade, custo, tolerabilidade e as variáveis clínicas do paciente, tais como idade, comorbidades e uso prévio de outra medicação, buscando, sempre, a individualização do tratamento (Bacelar & Junior, 2019).
Como parte da terapêutica medicamentosa, nos casos de comorbidades psiquiátricas, pode-se lançar mão de medicações sedativas a fim de tratar concomitantemente o transtorno mental e as queixas de sono. Por exemplo, na depressão, fármacos como: mirtazapina, amitriptilina e trazodona e, nos estados de mania, quetiapina ou olanzapina (Bacelar, & Junior, 2019; Schatzberg, 2014). Apesar disso, cerca de 3% da população faz uso de psicotrópicos a longo prazo para queixa de sono, sem prescrição adequada e, por isso, a maioria dos pacientes que procuram assistência para transtorno do sono já comparecem ao serviço de saúde em uso de algum medicamento sedativo (Schatzberg, 2014).
Classes de medicações sedativas utilizadas:
Classes Exemplo
Antagonista serotoninérgico Trazodona, mirtazapina
Antipsicótico de segunda geração Olanzapina, Quetiapina
Antidepressivos tricíclicos Amitriptilina, Nortriptilina
Benzodiazepínicos Flurazepam, clonazepam, diazepam
Droga Z não benzodiazepínico Zolpidem, eszopiclone
Melatoninérgicos Agomelatina
Antagonismo histaminérgico Prometazina, Hidroxizina e Difenidramina
Anticonvulsivantes Gabapentina, Pregabalina
Quadro 1. Classes de medicações sedativas utilizadas no tratamento de quadros comórbidos.
Assim, ao entender o caráter interdisciplinar da avaliação do sono, percebe-se que a capacitação e a aprendizagem são pertinentes, tanto para a Psiquiatria como para a Psicologia, na medida em que atuarão em conjunto na identificação e no tratamento desta condição clínica. Apesar disso, sabe-se que a capacitação desses profissionais na área do sono em um serviço público de saúde ainda é iniciativa incipiente no país. Por isso, o objetivo desse artigo é descrever a atuação interdisciplinar do Ambulatório do Sono (AMBSONO) que integra as áreas de Psicologia do Sono e Psiquiatria e traçar o perfil clínico dos pacientes atendidos nesse serviço durante o período de janeiro a dezembro de 2019, a fim de estimular a abordagem integrada do sono, enaltecendo sua perspectiva biopsicossocial em saúde.
DESCRIÇÃO DO SERVIÇO
O AMBSONO é um serviço vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS), localizado no Hospital Universitário Onofre Lopes em Natal/RN, na Unidade de Atenção Psicossocial (UNAPS). Esse serviço é composto por profissionais da Psicologia, da Psiquiatria e da Neurologia, atuando de maneira interdisciplinar para a avaliação, diagnóstico, tratamento e seguimento de transtornos do sono em crianças, adolescentes, adultos e idosos. Além disso, constitui-se como um centro de ensino e treinamento em avaliação e tratamento na área da Medicina e Psicologia do Sono para discentes da graduação em Psicologia, residentes dos programas: multiprofissional em Psicologia e Médica em Psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
O ingresso dos pacientes é realizado por meio do encaminhamento a esse serviço especializado via unidade básica de saúde, seguindo o fluxo de referência e contrarreferência da rede de atenção à Saúde (RAS). Na consulta de ingresso, os pacientes são orientados sobre o funcionamento do programa (duração da avaliação e do tratamento, faltas às consultas, atrasos etc.). A avaliação diagnóstica é realizada em cerca de 3 a 4 sessões que variam com a complexidade do caso e a necessidade individual. Esse processo envolve entrevista clínica com roteiro semi-dirigido, aplicação de protocolos avaliativos e devolutiva diagnóstica.
Na primeira consulta, se inicia a anamnese detalhada realizada em conjunto pela equipe de Psicologia do Sono e Psiquiatria sobre a história clínica do sono e sintomas, avaliando histórico familiar de distúrbios do sono, comorbidades psiquiátricas e médicas e investigando possíveis quadros neuropsicológicos, médicos, psiquiátricos e de transtornos do sono (Quadro 1).
Levantamento da história do sono
Antecedentes familiares para distúrbios do sono
Avaliação de quadros psiquiátricos e médicos
Identificação das medicações em uso (hipnóticas e para outras doenças)
Caracterização do padrão do sono (início, fim e duração do sono) do paciente durante a semana e no fim de semana, antes e depois da sintomatologia
Caracterização da presença de cochilos, indicando frequência, duração e horários utilizados para eles
Avaliação da Sonolência
Caracterização do ambiente de dormir e os hábitos de sono, incluindo atividades realizadas na cama antes de dormir
Avaliação da qualidade de sono
Avaliação do cronotipo
Avaliação de distúrbios do sono
Caracterização do funcionamento diurno em termos de atividades realizadas (tipo de trabalho, horários e esquema de turno), cognição (memória, atenção, funções executivas, fadiga), comportamento (irritabilidade, agressividade, comportamentos de comer noturno) e humor (sintomas de depressão, ansiedade).
Fonte: Almondes (2019).
Quadro 2. Modelo de protocolo para avaliação de sono na avaliação neuropsicológica
A equipe de psiquiatria do AMBSONO realiza avaliação seguindo o seguinte protocolo:
● Avaliação dos fármacos em uso: é comum os pacientes chegarem no serviço já em uso de pelo menos uma medicação sedativa e muitas vezes com dependência crônica de sedativos. Esta etapa, então, é importante na identificação dos efeitos colaterais que possam estar causando as queixas de sono e, também, avaliar a eficácia do medicamento em uso. Além disso, o uso de substâncias psicoativas como álcool, opióides, e substâncias psicoestimulantes podem induzir distúrbios do sono, citados no CID-10 (Classificação Internacional de doenças, 2008) e DSM-5. Revisar a prescrição também é um item fundamental para identificar se algum fármaco utilizado interfere no ciclo circadiano, por exemplo, se algum mais ativador está sendo usado à noite ou se há indicação de retirada de medicação sedativa.
● Avaliação de questões médicas e psiquiátricas comórbidas: anamnese e exame clínico são realizados pelos médicos residentes em psiquiatria para realizar o diagnóstico de condições médicas que possam estar causando as queixas de sono, tais como: tireoidopatias, transtornos mentais, ou avaliar o sub-tratamento de alguma patologia previamente diagnosticada.
● Solicitação de exames específicos: os médicos residentes em psiquiatria, diante de suspeitas clínicas, podem solicitar exames complementares de auxílio diagnóstico, como hemograma e cinética de ferro, na suspeita de Síndrome das Pernas Inquietas (SPI), ou função tireoidiana na suspeita de tireoidopatias, por exemplo.
Em seguida, são aplicados escalas e questionários de rastreio de transtornos do sono e demais protocolos avaliativos pela equipe de estagiários e residentes de Psicologia, a citar:
● Avaliação da Qualidade do Sono: o Índice de Qualidade de sono de Pittsburgh é utilizado para quantificar a qualidade de sono dos indivíduos. É formado por 10 questões, que devem ser respondidas levando em consideração o mês anterior à aplicação do teste e se refere ao tempo levado para adormecer, horários de deitar-se e acordar, duração do sono, qualidade do sono, cochilos, problemas para adormecer, entre outros (Buysse, Reynolds, Monk, Berman e Kupfer, 1989).
● Identificação do Cronotipo: Questionário de Identificação de Cronotipo de Horne-Ostberg foi adaptado e validado para o Brasil para caracterizar o indivíduo como matutino, vespertino ou indiferente conforme suas preferências de horários em relação a atividades cotidianas (Horne & Ostberg, 1976).
● Avaliação da presença e gravidade dos sintomas de Insônia: a Escala de Insônia de Atenas é utilizada para diagnosticar o quadro de insônia e cada questão tem um escore de 0-3, com a pontuação de 6 pontos em diante, indicando presença de quadro de insônia (Soldados, Dikeos & Paparrigopoulos, 2000). Já a Escala de Gravidade da Insônia é composta por cinco questões para identificar a percepção da gravidade da insônia (Morin, Belleville, Lynda, & Ivers, 2011).
● Avaliação dos sintomas de sonolência: a Escala de Sonolência de Epworth é utilizada para avaliação da sonolência persistente, por meio de oito questões (Johns,1991). Utiliza-se, também, a Escala Karolinska de Sonolência, que avalia a presença de sonolência excessiva diurna ultimamente em uma escala de 9 pontos, de (0) extremamente alerta e ativo a (9) muito sonolento, lutando para se manter acordado.
● Avaliação de crenças disfuncionais sobre o sono: aplicação da Escala de atitudes e crenças sobre o sono. Trata-se de um questionário com 16 questões, cujo objetivo é avaliar fatores perpetuadores da insônia. Uma pontuação total alta indica crenças desadaptativas sobre o sono (Morin, Valliéres, & Ivers, 2007).
● Aplicação do Diário de sono: é um registro comportamental e permite acessar, pelo preenchimento durante sete a catorze dias, dados de (1) horários de acordar e levantar; (2) número de despertares; (3) tempo na cama. O modelo é adaptado conforme o contexto do paciente e as informações que a equipe do AMBSONO deseja avaliar.
● Avaliação dos sintomas de Apneia do Sono: o Questionário de Berlim avalia a presença de roncos, sintomas diários e matinais, sonolência e hipertensão (versão brasileira por Vaz et al., 2011). Outra opção também utilizada pela equipe do AMBSONO é o Questionário STOP-BANG para avaliação de risco de apneia do sono (validado para o contexto brasileiro por Duarte, Fonseca, Magalhões-da-silveira, Silveira & Rabahi, 2017). As escalas são importantes, pois corroboram à elucidação do diagnóstico e ao possível encaminhamento para exames objetivos, como a Polissonografia.
● Avaliação do alerta pré-sono: a Escala de Alerta Pré-sono – Pre-Sleep Arousal Scale (PSAS) – busca avaliar o alerta cognitivo e somático pré-sono por meio de 16 questões (Marques, Gomes, Nicassio & Azevedo, 2018). Esta identificação é importante na investigação de fatores que possam provocar ou perpetuar a dificuldade em iniciar o sono, queixa típica de pacientes com Transtorno de Insônia.
● Avaliação da Síndrome das Pernas Inquietas (SPI): a Escala Internacional de Graduação da Síndrome das Pernas Inquietas é um instrumento de 10 questões que auxilia o diagnóstico da SPI ao rastrear a presença de sensações desagradáveis nos membros e a urgência em movimentá-los (Masuko et al., 2008).
● Avaliação da Narcolepsia: a Escala de Narcolepsia de Ullanlinna é formada por 11 itens que avalia a variedade dos sintomas relacionados à Narcolepsia, incluindo frequência dos episódios de fraqueza muscular disparadas por emoções fortes (cataplexia) e latência do sono noturno (Hublin et al., 1994). Outro protocolo utilizado é a Escala de Cataplexia por imagens, que avalia a gravidade da cataplexia e permite hierarquizar as etapas que se seguem no surgimento da cataplexia para possibilitar p planejamento da intervenção (Marín & Jiménez, 2012). O “Diário do paciente com Narcolepsia” é outro recurso importante, pois ao longo do preenchimento, durante 14 dias, permite acesso aos dados de frequência e duração dos episódios de ataques de sono, número de ataques de cataplexia parcial e total, bem como as emoções disparadoras. Quando se trata de paciente pediátrico, o Diário é preenchido pelos pais/cuidadores.
● Avaliação dos distúrbios de sono pediátricos: quando se trata de um infante trazido pelos seus pais/cuidadores, são aplicados testes, escalas e outros instrumentos específicos para avaliação em Sono devidamente adaptados para o público pediátrico. Dentre os protocolos que são utilizados, tem-se: Escala Unesp de hábitos e higiene do sono com 16 questões para avaliação de características do sono do público infantil por meio de quatros indicadores sobre higiene do sono (Pires, Vilela e Câmara, 2012). Outro protocolo utilizado no AMBSONO é a Escala de Distúrbios do Sono em Crianças (EDSC): instrumento de 26 itens para a avaliação do sono em crianças com idades entre 3 e 18 anos (Ferreira, 2009). Outro instrumento utilizado é a Escala Pediátrica de Sonolência Diurna (Pediatric Daytime Sleepiness Scale – PDSS), composta por oito questões de múltipla escolha para avaliação da sonolência diurna excessiva em crianças e adolescentes (Drake et al., 2003).
● Avaliação do Transtorno Comportamental do Sono REM: o questionário de TCSR (Transtorno Comportamental do Sono REM) de Stiasny-Kolster et al. – (RBDSQ), é um questionário de auto classificação de pacientes com 10 itens (pontuação total máxima de 13 pontos).
● Avaliação dos sintomas depressivos e ansiosos: a Escala de Avaliação de Depressão de Hamilton (HAM-D) apresenta 17 itens que auxiliam a equipe na análise da gravidade dos sintomas depressivos (Hamilton, 1960). Já a Escala de Ansiedade de Hamilton (HAM-A) é composta por 14 itens que avaliam sintomas de humor ansioso e sintomas físicos de ansiedade do paciente (Hamilton, 1959).
● Avaliação dos processos cognitivos: Durante a Anamnese, a Psicologia e Psiquiatria atuam conjuntamente na avaliação do comprometimento cognitivo ocasionado pelas alterações de sono. Quando há necessidade de se fazer uma avaliação cognitiva mais aprofundada é realizada a aplicação de testes pelos estagiários de Psicologia devidamente treinados em avaliação neuropsicológica. Os processos cognitivos mais afetados pelas alterações de sono são a atenção, memória de trabalho e funções executivas (Almondes, 2019). Há alguns testes e tarefas validados para o contexto brasileiro que permitem avaliar estes constructos (quadro 2). Esta etapa avaliativa é importante para distinguir prejuízos de déficit cognitivo e auxiliar no diagnóstico diferencial. Quando se trata de um paciente idoso e há a suspeita diagnóstica de quadros neurodegenerativos relacionados às queixas de sono, o paciente é encaminhado para avaliação no Serviço de Neuropsicologia do Envelhecimento (SENE), do Hospital Universitário Onofre Lopes.
● Encaminhamento para Polissonografia (PSG): A PSG é a técnica padrão-ouro para o diagnóstico dos distúrbios do sono ao monitorar as mudanças na atividade cerebral ocorridas durante o sono (Almondes, 2019). São registrados diversos parâmetros do sono, tais como latência do sono, tempo total de sono, eficiência do sono, tempo gasto em cada estágio do sono e número de despertares noturnos. Também são registradas variáveis fisiológicas e comportamentais, além do estadiamento do sono (REM e NREM). A indicação clínica desse exame torna-se necessária para fechar o diagnóstico de diversos distúrbios do sono, como a Narcolepsia e o SAOS. O AMBSONO realiza o encaminhamento para a realização do exame no Sistema Público de Saúde e, quando necessário, no sistema privado.
Processos Testes/Tarefas
Atenção sustentada e seletiva Tempo de reação simples
Tarefas com tempo de reação com escolhas
Tarefa de vigilância psicomotora (Psychomotor Vigilance Task)
Sistema de teste de Vianna (computadorizado)
Tarefa de execução contínua (Continuous Performance Task)
Memória de Trabalho N-BACK
Span-dígitos do WISC, WAIS, ordem indireta
Memória de trabalho verbal
Teste de memória de trabalho visuoespacial
Memória de Longo prazo Teste de retenção visual de Benton
Funções executivas Tomada de decisão (Iowa Gambling Test)
Go/ no gp
Stroop
Fluência verbal
Figura dos cincos dígitos (FDT)
Fonte: Almondes (2019).
Quadro 3. Testes e tarefas cognitivas mais utilizadas na avaliação neuropsicológica do sono e com validade para o contexto brasileiro.
Os dados dos protocolos avaliativos são discutidos entre a equipe interdisciplinar e confrontados com as informações coletadas na anamnese. Após a avaliação diagnóstica é entregue um laudo ao paciente com a descrição do processo investigativo, resultados das escalas e questionários aplicados, impressão diagnóstica e indicativo terapêutico.
O tratamento dos distúrbios do sono no AMBSONO segue dois modelos distintos:
Grupal: Os pacientes são colocados nos grupos referentes ao distúrbio de sono diagnosticado e são utilizados os Componentes Educacionais, cognitivos e comportamentais da Terapia Cognitiva Comportamental para tratamento de transtornos do Sono. Esta modalidade é realizada em 6-16 sessões com, no máximo, oito (8) participantes, para garantir o foco e organização do tratamento. Os grupos geralmente são heterogêneos quanto ao gênero dos indivíduos, mas são agrupados com faixas etárias equivalentes para facilitar a adesão de grupos de gerações, fases de desenvolvimento e características cronobiológicas semelhantes. A organização do grupo por características etárias equivalentes é importante no sentido de não causar incompatibilidade entre os participantes frente aos diferentes papéis sociais que cada idade desenvolve e, por fim, não desmotivar a participação dos integrantes (Almondes, 2016). É realizada uma avaliação contínua dos resultados com diário de sono e demais protocolos para avaliar a eficácia da terapia, geralmente com um mês, três meses e após 6 meses (follow up) com todos os participantes. Essa modalidade de tratamento é comprovadamente custo/efetivo e facilita o treinamento de profissionais.
Individual: O paciente nessa modalidade é atendido individualmente pela equipe de profissionais e estagiários de psicologia do AMBSONO, a partir de sessões semanais. A duração do tratamento é de cerca de 4 a 6 meses. O encaminhamento para essa modalidade acontece em função do quadro diagnóstico e por não atender os critérios para estar em grupo. A duração é sempre influenciada pelo diagnóstico do paciente e o plano terapêutico traçado conjuntamente ao paciente. A vantagem da intervenção individual é a adequação ao ambulatório em saúde, com moldes tradicionais de funcionamento, no sentido em que há a possibilidade de agendamento de horários conforme a disponibilidade do paciente e do terapeuta, além de adaptar-se às questões individuais do paciente (Almondes, 2016). As diretrizes terapêuticas seguem a mesma linha que a modalidade grupal, envolvendo técnicas da TCC para transtornos do Sono, tais como psicoeducação, higiene do sono, reestruturação cognitiva, controle de estímulos, treinamento de relaxamento, restrição do sono e Mindfulness.
Paralelamente a estas atividades, o AMBSONO realiza, ainda, reuniões científicas semanais para discussão de artigos e temas relacionados ao diagnóstico de transtornos do sono e sua relação com quadros psiquiátricos, além de atualizações terapêuticas de ordem farmacológica e de técnicas da Terapia Cognitiva Comportamental. Portanto, o AMSONO, além de ser um serviço assistencialista, também promove a integração dos pilares ensino, pesquisa e extensão, com o intuito de capacitar os profissionais do serviço e garantir um serviço de qualidade à população e educação continuada.
METODOLOGIA
Nesta perspectiva, apresentamos um delineamento do perfil dos pacientes atendidos pela equipe interdisciplinar do Ambulatório do Sono no primeiro semestre do ano de 2019.
RESULTADOS
Ao todo, foram realizados atendimentos de 14 pacientes, com idade média de 46,3 e sendo a maioria do sexo feminino, corroborando com a literatura especializada que indica que a insônia é mais prevalente neste gênero (Grewal, et al.,2009).
Dentre as queixas relacionadas ao sono e aos prejuízos sentidos durante o dia, observou-se que a principal queixa foi a dificuldade de iniciar o sono, juntamente com a fadiga e sonolência diurna (Tabela 1), os quais se configuram como alguns dos sintomas clássicos do Transtorno de Insônia, que afeta cerca de 45% da população brasileira (ABS, 2019), tornando-se o transtorno de sono mais prevalente no país. Esses sintomas também estão presentes nos quadros de Transtornos de Ritmo, Narcolepsia, Síndrome das Pernas Inquietas e são comuns na Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS), patologia frequente na população brasileira (cerca de 2 milhões de casos relatados/ano) (Viegas, 2010). Outros sintomas prevalentes na SAOS são: ronco (relatado por 36% da amostra), cefaléia matinal (29% da amostra) e sensação de boca seca ao acordar (21% da amostra) (Almondes, 2016).
Corroborando com os dados da literatura, observa-se que as queixas de alteração de humor, de memória e de atenção, concomitantemente com irritabilidade, foram bem prevalentes em nossa amostra, refletindo a evidência de que os transtornos do sono impactam significativamente a performance cognitiva e a qualidade de vida dos indivíduos (Wardle-Pinkston, et al., 2010).
Tabela 1 – Principais queixas relatadas por pacientes.
Queixas Pacientes (%)
Dificuldade de iniciar o sono 79%
Fadiga/Sonolência 79%
Dificuldade de manter o sono 71%
Alteração de humor 57%
Alteração de memória 57%
Irritabilidade 50%
Ansiedade 43%
Alteração da atenção 43%
Ronco 36%
Cefaléia 29%
Incômodo nas pernas ao deitar-se 21%
Sensação de boca seca ao acordar 21%
Dores corporais 21%
Tontura 14%
Taquicardia 7%
Reforçando os dados da literatura, observou-se que 78,5% dos pacientes atendidos no AMBSONO já faziam uso de medicação sedativa no primeiro atendimento (Tabela 2).
Tabela 2 – Fármacos que os pacientes já vinham fazendo uso antes da primeira consulta no AMBSONO.
Fármaco Pacientes (%)
Clonazepam 36%
Alprazolam 7%
Zolpidem 28%
Eszopiclona 7%
Trazodona 14%
Doxepina 7%
Ácido valpróico 14%
Quetiapina 14%
Sulpirida 7%
Melatonina 14%
Hidroxizina 7%
Dexclorferinamida 7%
Dentre as impressões diagnósticas realizadas a partir da anamnese e avaliação do sono, o transtorno de insônia foi o mais prevalente, corroborando com os achados da literatura (ABS, 2019) (Tabela 3):
Tabela 3 – Impressões diagnósticas dos pacientes atendidos no ano de 2019.1.
Impressões Diagnósticas Pacientes (%)
Transtorno de Insônia 79%
Sintomas depressivos 43%
Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) 43%
Síndrome das Pernas Inquietas 7%
Além da insônia, foi expressiva a porcentagem de pacientes com sintomas depressivos (43%). Tais achados reforçam o entendimento de relação bidirecional entre alteração do sono e transtornos mentais (Kirwan, et al., 2017; Baglioni et al., 2010; Hertenstein et al., 2018; Almondes et al., 2016) e a necessidade da integração da psicologia e psiquiatria na abordagem desses casos. Deve-se ressaltar o relevante percentual de uso de benzodiazepínicos já sendo utilizados pelos pacientes encaminhados (43%) e a ausência de transtornos ansiosos nas impressões diagnósticas, o que pode estar associado ao uso inadequado de tal classe de medicação, a qual tem potencial de abuso e dependência.
Apesar da baixa frequência encontrada na amostra para Síndrome das Pernas Inquietas (SPI), a porcentagem encontrada (7%) reflete a prevalência encontrada nos adultos brasileiros (2,5 a 15%) (Ribeiro, et al., 2016). A SPI tem, como sintomas diurnos, sensações incômodas nas pernas quando o indivíduo está em repouso, melhorando apenas com a movimentação das pernas, além de sonolência e fadiga durante o dia. Alguns dos sintomas noturnos é a dificuldade em iniciar o sono, devido às queixas relatadas, associando-se, muitas vezes, com sintomas de insônia inicial. Quando há suspeita desse diagnóstico é necessário realizar hemograma e cinética do ferro, devido à relação entre SPI a ferritina liquórica diminuída no sistema nervoso central, como já citado anteriormente.
Quanto aos indicativos terapêuticos para os pacientes, a maioria foi encaminhada para psicoterapia e realização de polissonografia (tabela 4). O habitual encaminhamento para psicoterapia reflete a alta taxa de comorbidade entre transtornos de sono, distúrbios psiquiátricos e queixas de ansiedade e depressão (Kirwan, et al., 2017; Baglioni et al., 2010; Hertenstein et al., 2018; Almondes et al., 2016). Além das questões psicológicas ou psiquiátricas do indivíduo poderem, possivelmente, atuar como fatores perpetuadores dos distúrbios do sono, reforçando bidirecionalmente a sintomatologia apresentada. Desta forma, faz-se essencial o tratamento concomitante de transtornos do sono e questões psicológicas associadas com a modalidade terapêutica associando a Psicologia do Sono, a Psicologia Clínica, como também a Psiquiatria.
O encaminhamento para a avaliação de SAOS faz-se necessário para a confirmação de tal diagnóstico a partir do exame de polissonografia, assim como a associação com tratamento realizado por pneumologistas e a utilização do CPAP. O exame de polissonografia, no entanto, é pouco encontrado na rede do Sistema Único de Saúde (SUS) no Rio Grande do Norte o que, muitas vezes, dificulta a confirmação deste diagnóstico, infelizmente. Uma estratégia utilizada para evitar a grande lista de espera para realizar o exame é o encaminhamento para clínicas particulares as quais têm parceria com o SUS. A partir dos resultados da polissonografia são realizados o seguimento para o pneumologista e a utilização do CPAP, como segue o protocolo. Portanto, quando se identifica um possível diagnóstico de SAOS, o encaminhamento torna-se imprescindível. O papel da Psicologia do Sono, neste caso, é auxiliar o paciente na adesão do uso do CPAP, assim como tratar sobre possíveis crenças relacionadas a este transtorno de sono por meio da TCC em modalidade individual.
Tabela 4 – Indicativos terapêuticos para pacientes atendidos em 2019.1
Indicativos Terapêuticos Pacientes (%)
Encaminhamento para ingresso em Psicoterapia 50%
Encaminhamento para realização da avaliação do possível/provável diagnóstico de SAHOS 50%
Terapia Cognitivo Comportamental Individual 43%
Terapia Cognitivo Comportamental Grupal 29%
CONCLUSÃO
O sono é uma área essencialmente interdisciplinar que engloba conhecimentos da Medicina, da Neurologia, da Cronobiologia e da Psicologia. Neste contexto, a aprendizagem sobre como avaliar e intervir nos transtornos do sono prevalentes na população em um modelo integrado é uma proposta pertinente para os profissionais de saúde, principalmente da Psicologia e Psiquiatria. Porém, este tipo de capacitação na área do sono em um serviço público de saúde ainda é iniciativa incipiente no país. Portanto, este relato de experiência do AMBSONO é uma ferramenta importante de propagação de ambulatórios especializados em distúrbios do sono com abordagem interdisciplinar e consequentes maiores chances de sucesso terapêutico ao aliar técnicas farmacológicas e da TCC, enaltecendo a perspectiva biopsicossocial em saúde.
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AS AUTORAS
Gabriela Simabucuru
Graduanda do Departamento de Psicologia, Ambulatório do Sono (AMBSONO), Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil.
E-mail: gveltrini@icloud.com
Ralina Carla Lopes Martins da Silva
Graduanda do Departamento de Psicologia, Ambulatório do Sono (AMBSONO), Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil.
E-mail: ralinamartins@hotmail.com
Amannda Melo de Oliveira Lim
Programa de Residência Médica em Psiquiatria, Ambulatório do Sono (AMBSONO), Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil.
E-mail: amanndamlima@gmail.com
Katie Moraes de Almondes
Professora Associada do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
E-mail: katie.almondes@gmail.com